O novo decreto sobre armas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) autoriza a compra de pelo menos 2,1 bilhões de munições, a partir deste ano, por brasileiros que já possuem registro de arma de fogo. Essa quantidade é suficiente para que 5,7 milhões disparos sejam efetuados por dia no país.
Atualmente, há 350 mil armas registradas para defesa pessoal no Brasil e mais 350 mil para caçadores, atiradores e colecionadores, segundo dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pelo Instituto Sou da Paz.
No caso das armas para defesa pessoal liberadas pelas regras anteriores, o decreto nº 9.797/19 aumentou de 50 para 5.000 o limite de projéteis que podem ser adquiridos por ano.
Já no caso de armas de caçadores, atiradores e colecionadores, que têm um registro especial, o teto cresceu de 500 para 1.000 balas por arma – dependendo do calibre, o limite também pode chegar a 5.000.
Dessa forma, os novos limites permitem que pelo menos 2,1 bilhões de projéteis sejam comprados por quem já tem autorização para ter armas. Sob as regras anteriores, a quantidade máxima de munições autorizada seria de 193 milhões – menos de 10% do total liberado pela nova norma.
Como a quantidade de armamentos no Brasil deve crescer por causa da recente flexibilização na posse e no porte também assinada por Bolsonaro, a quantidade de balas que podem ser adquiridas tende a aumentar ainda mais.
Além disso, o novo decreto permite a compra de munições mais potentes, como a de 9 milímetros – que antes era proibida.
O presidente Bolsonaro argumentou que o decreto tem mais a ver com a “liberdade individual” do cidadão ter acesso às armas do que com projetos de segurança pública.
“Esse nosso decreto não é um projeto de segurança pública. É, no nosso entendimento, algo até mais importante que isso. É um direito individual daquele que porventura queira ter uma arma de fogo ou buscar a posse de uma arma de fogo, seja um direito dele, obviamente respeitando e cumprindo alguns requisitos”, afirmou Bolsonaro, durante assinatura da primeira versão do decreto, em 7 de maio.
“Por exemplo, nós tínhamos direito a 50 cartuchos por ano. Então, passaram para 1.000”, completou o presidente. “Nós fomos no limite da lei. Nós não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu oportunidade para nós, nós fomos lá no limite.”
O decreto está sob questionamento em duas frentes: pode acabar sendo suspenso total ou parcialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ou ser derrubado pelo Congresso Nacional, que também tem instrumentos legais para fazê-lo.
Para especialistas em segurança, o aumento exponencial de munições disponíveis pode prejudicar as investigações de crimes, principalmente homicídios, que já têm taxas de resolução muito baixas no Brasil. Isso porque projéteis vendidos para civis não são numerados em lotes, como é obrigatório em caso de armamentos comprados por forças de segurança.
Quando se marca uma munição, é possível descobrir, por exemplo, quem a comprou e para onde ela foi enviada. Saber o endereço final do equipamento adquirido pelo Estado ajudou a esclarecer o assassinato da juíza Patrícia Acioli, morta por policiais militares em 2011, no Rio de Janeiro. Os projéteis usados no crime haviam sido enviados para um batalhão de policiais que estavam sendo julgados por ela.
Um relatório do escritório da ONU para Paz, Desarmamento e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, divulgado recentemente, recomendou que toda a munição brasileira “seja devidamente marcada e gravada”, mesmo aquela vendida a civis. Porém, apenas 23% de toda a munição vendida no Brasil é marcada em lotes atualmente.
Por outro lado, a indústria armamentista argumenta que não tem tecnologia suficiente para marcar todas as munições fabricadas no Brasil e que fazer isso aumentaria muito os custos de produção.