O mundo foi notificado esta semana do sucesso de mais uma cirurgia de separação de gêmeos siameses. Duas meninas paquistanesas, de 2 anos, que estavam unidas pela cabeça, passam agora por tratamento pós-cirúrgico, incluindo fisioterapia, para se adaptarem a nova realidade: uma vida independente. As gêmeas, Safa e Marwa Ullah, passaram por três cirurgias ao longo de quatro meses para que os médicos conseguissem separá-las de forma segura.
Ao todo, foram mais de 50 horas contabilizadas para a realização dos procedimentos – que foram um completo sucesso, de acordo com o Hospital Great Ormond Street (GOSH, na sigla em inglês), na Inglaterra, onde as crianças foram operadas. A instituição é considerada um das poucas no mundo com capacidade para atender casos desse tipo.
Safa e Marwa nasceram em 7 janeiro de 2017 por meio de uma cesariana no hospital Hayatabad, em Peshawar, no Paquistão. Apesar de ter sido avisada da gestação gemelar e da possibilidade de alguma partes dos corpos das meninas estarem unidas, a equipe médica e a família não tinham percebido a complexidade da situação até que elas tivessem nascido.
O primeiro familiar a visitar as gêmeas e perceber a união pela cabeça foi o avô, Mohammad Sadat Hussain – pois a mãe, Zainab Bibi, ainda se recuperava da cesariana e o pai havia morrido em decorrência de um ataque cardíaco dois meses antes do parto. Hussain disse ter ficado feliz com o nascimento das netas, mas não deixou de se preocupar com a condição médica das crianças.
Cinco dias depois, Zanaib finalmente conseguiu ver as filhas pessoalmente – ela recebera uma foto das meninas para prepará-la para a situação que encontraria. Sua reação foi como a da maioria das mães. “Elas eram muito bonitas. Tinham cabelos bonitos e pele branca. Eu nem sequer pensei no fato de que elas estavam unidas. Elas foram um presente de Deus”, contou à BBC.
O caso de Safa e Marwa é raro. Estimativas indicam que gêmeos craniópagos – unidos pela cabeça – são muito raros: um em cada 2,5 milhões de nascimentos. De acordo com especialistas, as taxas de sobrevivência também são baixas: dois em cada cinco nascem mortos ou morrem durante o parto. Além disso, um terço dos que resistem à gestação e ao parto acabam morrendo nas primeiras 24 horas de vida. Não foi o caso das gêmeas paquistanesas – que ainda encontraram um benfeitor disposto a pagar por todas as despesas médicas decorrentes da separação.
A jornada
As meninas receberam alta do hospital onde nasceram depois de um mês. Ao saber do caso, um hospital militar se ofereceu para realizar a cirurgia, mas alertou sobre a possibilidade de uma das gêmeas morrer durante o procedimento. Zainab não estava disposta a arriscar a vida de uma das filhas.
Quando as gêmeas tinham três meses, a família foi direcionada para Owase Jeelani, neurocirurgião pediátrico do GOSH. Ao analisar o caso, ele se convenceu de que Safa e Marwa poderiam se separadas com segurança. Mas, para isso, a cirurgia deveria acontecer antes do primeiro ano de vida.
A partir daí, os preparativos para a viagem até a Inglaterra foram iniciados. No entanto, havia outro obstáculo: os custos. O sistema de Saúde do Reino Unido não cobriria as despesas e Jeelani não conseguiu angariar o suficiente para pagar pelo procedimento mesmo depois de meses. Ainda assim, a família foi para Londres em agosto de 2018 – quando as meninas já tinham 19 meses de vida.
O rumo da situação mudou pouco depois. Durante um almoço com uma amiga advogada, Jeelani contou a história das meninas. A amiga entrou em contato com alguém e entregou o telefone para o médico explicar tudo a quem estava do outro lado da linha. O interlocutor era Murtaza Lakhani, um rico empresário paquistanês que se disponibilizou a pagar por tudo.
Os procedimentos
Para garantir a segurança e sucesso da cirurgia de separação, a equipe médica, composta por 100 profissionais de diversas áreas, usaram o que de melhor a tecnologia tinha a oferecer para criar uma réplica exata da anatomia das gêmeas, a fim de visualizar os crânios e o posicionamento dos cérebros e vasos sanguíneos. Foi nessa réplica que eles treinaram o procedimento.
A primeira cirurgia aconteceu em 15 de outubro de 2018 e durou 15 horas. O objetivo era separar as artérias que as meninas compartilhavam. O segundo procedimento foi realizado um mês depois. A meta era dividir as veias compartilhadas. Mas havia enormes riscos.
Durante a cirurgia, os médicos enfrentaram sangramentos, formação de coágulos, queda de pressão sanguínea. A operação acabou 20 horas depois. Os contratempos enfrentados na mesa de cirurgia deixaram consequências: Safa sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) – um dos tantos riscos relacionados a esse tipo de intervenção. Agora, a menina apresenta fraqueza na perna e no braço esquerdos.
A última intervenção precisou ser adiantada em quatro semanas. O coração de Marwa apresentava problemas, pois estava trabalhando por ela e pela irmã. Semanas antes da cirurgia final, os médicos já vinham se preparando para lidar com um grande desafio: após a separação, seria necessário pele para cobrir as duas cabeças. Para isso, eles inseriram bolsas de plástico sob a testa de cada gêmea e na parte de trás do crânio compartilhado. O motivo: permitir uma expansão de pele extra que seria usada para cobrir o topo das cabeças.
Durante a última cirurgia, foram feitos os cortes finais para separá-las permanentemente. Uma vez separadas, cada uma foi para uma sala de cirurgia própria, onde a equipe médica moldou a cabeça adequadamente. Todo o procedimento levou 17 horas.