De segunda a sábado, Liane de Souza vende milho cozido com seus filhos, em frente a um açougue no centro de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A rotina é cansativa e as vendas são imprevisíveis, principalmente neste inverno, considerado um dos mais frios no estado em quase uma década.
Com o dinheiro que recebe das vendas semanalmente, a ambulante segue direto ao supermercado para comprar alimento para a família. Na lista, cabem apenas itens essenciais, como arroz, feijão e carne de frango ou porco.
A carne vermelha, que Liane vê à venda no açougue atrás de sua barraca, ela afirma adquirir apenas aos domingos e só a de última qualidade.
“Só quem come carne agora é quem é rico. Nós que somos pobres agora só comemos frango e porco. Um quilo de carne vermelha está R$ 40. Com R$ 40, eu compro frango para uma semana. Faz muito tempo que tenho vontade de comer um bife”, disse a vendedora de milho.
Segundo Liane, a carne vermelha não é o único peso de seu orçamento doméstico. O preço do gás de cozinha também está deixando as contas de casa pesadas e, pior, reduzindo o lucro de suas vendas, uma vez que o milho é cozido a gás.
“O movimento aqui varia muito e tem horas que fico só gastando gás. Eu pagava R$ 4 na manteiga que uso, agora pago R$ 8. A gente tem que fazer pouca dívida para pagar as que têm”, afirmou.
Liane retrata um cenário cada vez mais comum no Brasil, após a pandemia da Covid-19: o de brasileiros que estão com menor poder de compra e, desta forma, têm dificuldades para adquirir itens essenciais da cesta básica, como arroz, feijão e carne — o famoso prato feito.
Pesquisa realizada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) aponta que a proporção entre o valor da cesta básica e do salário mínimo em julho foi de 58%. Ou seja, uma cesta custou em julho mais que o dobro do valor do salário mínimo atual, de R$ 1.100 (veja gráfico acima).
Esse índice passou a subir em outubro do ano passado e em novembro e dezembro atingiu 60% (uma cesta custa 60% do salario mínimo), maior percentual mensal em 13 anos (julho de 2008).
Inflação maior para os mais pobres
Os Índices de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da FGV mostram o peso da alimentação entre os mais pobres de forma estatística. A inflação em 12 meses é maior para famílias com renda per capita de até 2,5 salários mínimos (IPC-C1) do que para as que têm renda per capita de até 33 salários mínimos (IPC-DI).
Isso significa a alta de preços dos alimentos têm um peso maior para famílias que recebem até R$ 2.750, explicou Matheus Peçanha, economista da FGV.
“Está quase impossível fazer frente aos grandes aumentos com o Auxílio Emergencial de R$ 150. Quandos as políticas públicas não alcançam, as pessoas vão começar a depender de caridade”, disse Peçanha.