Em depoimento, Murillo confirmou a conversa telefônica mencionada por Wajngarten e que envolveu o Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Murillo afirmou que telefonou ao ex-secretário ao ter conhecimento de um email de Wajngarten para o CEO global da Pfizer, sobre um ofício da empresa que estava parado havia dois meses no governo.
De acordo com ele, o secretário inicialmente se inteirou das tratativas e depois seguiu para o gabinete de Bolsonaro, que recebia Guedes. “O ministro Guedes perguntou o quantitativo ofertado. Ele indicou que o Brasil precisava mais quantidade e eu respondi que nós vamos procurar oferecer maior quantitativo.”
No dia anterior, Wajngarten havia trazido a informação do telefonema. Em seu relato, afirmou que o presidente escreveu em um papel a palavra “Anvisa”, indicando que seria necessário primeiro a autorização da agência de vigilância sanitária. E Guedes, segundo afirmou, teria dito “vacina é o caminho”.
O gerente-geral da Pfizer também disse que as condições impostas para a venda de vacinas ao governo brasileiro não eram “leoninas”, como descreveu o ex-ministro Eduardo Pazuello como justificativa para a demora na compra de doses. “Não estou de acordo com essa categorização de condições eram leoninas.”
Murillo afirmou que as condições eram, em linhas gerais, as mesmas oferecidas para outros países, com pequenas variações por causa das peculiaridades de cada localidade.
As condições impostas pela empresa, que exigia imunidade por eventuais efeitos colaterais da vacina, queria garantias de pagamentos no exterior, entre outros pontos, foi apontada pelo governo brasileiro como obstáculo para a aquisição da imunização.
Mais à frente no depoimento, o gerente-geral da Pfizer confirmou a participação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) em reunião para tratar da compra de vacinas.
Murillo disse que duas representantes do jurídico da empresa mantinham reunião no Palácio do Planalto com o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten e seus auxiliares, para esclarecer pontos relativos à aquisição da vacina e possíveis entraves.
Em determinado momento, após uma hora de reunião, aproximadamente, Wajngarten recebeu um telefonema e deixou a sala de reunião. Ao retornar, estava acompanhado de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, e do assessor internacional da Presidência, Filipe Martins.
Inicialmente, Murillo afirmara que não tinha conhecimento da participação do filho do presidente nas tratativas. No entanto, posteriormente, pediu para fazer um esclarecimento e acrescentou essa informação, que havia recebido de seus assessores.
A declaração reforça tese que está em construção pelo grupo de senadores majoritário da CPI, que avalia existir um “ministério paralelo” ao da Saúde que orienta e define as medidas que serão adotadas no combate à pandemia do coronavírus.
Nesta quinta, os senadores governistas da CPI da Covid recorreram novamente aos argumentos apresentados por Eduardo Pazuello para justificar a demora na assinatura do contrato. Afirmaram que as cláusulas eram impraticáveis e que o Brasil só adptou a legislação ao que a Pfizer exigia neste ano, ou seja, não poderia ter firmado trato no ano passado.
Além disso, os aliados de Bolsonaro também tentaram mostrar que a quantidade de doses que chegaria ao país no início deste ano seria baixa.
Enquanto ocorria a sessão, Bolsonaro tentou colocar em prática outra estratégia para se contrapor à CPI.
Em visita a Alagoas, estado natal de Renan, Bolsonaro chamou o relator de vagabundo —como fez no dia anterior o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho— e afirmou que a comissão comete crime ao investigá-lo.
Renan rebateu Bolsonaro durante a sessão. Ele afirmou que a resposta às ofensas será o aprofundamento das investigações. Também criticou Wajngarten, afirmando que cometeu um “dos maiores desacatos a uma comissão parlamentar de inquérito da história do Congresso Nacional, em particular do Senado”.
O relator da comissão afirmou que ficou claro o crime de falso testemunho. Renan concluiu afirmando que a fala do filho mais velho do presidente, que o chamou de “vagabundo”, tinha a única missão de ofender e escrachar.
“Eu quero dizer a todos os pregadores que a minha resposta a esses ataques é esse número aqui, de vítimas da pandemia”, disse, em referência, à placa com o número 428.256, que substitui a indicação de seu nome na mesa da comissão.
“Haja o que houver, intimidações todos os dias, não haverá problema. A melhor resposta é o aprofundamento da investigação”, concluiu.
CRONOLOGIA DAS NEGOCIAÇÕES ENTRE PFIZER E GOVERNO BOLSONARO
Mai.2020
Primeiros contatos da Pfizer com o governo brasileiro
16.jul.2020
Fornecimento da “expressão de interesse” da Pfizer ao Ministério da Saúde, quando a empresa resume as condições do processo
6.ago.2020
Ministério da Saúde manifesta “possível interesse” na vacina
7.ago.2020
Reunião de representantes da Pfizer com o Ministério da Economia
14.ago.2020
Pfizer faz a primeira oferta da vacina, com duas opções:
30 milhões de doses, sendo:
- 500 mil em 2020
- 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
- 5 milhões no 2º trimestre de 2021
- 14 milhões no 3º trimestre de 2021
- 8 milhões no 4º trimestre de 2021
70 milhões de doses, sendo:
- 500 mil em 2020
- 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
- 5 milhões no 2º trimestre de 2021
- 33 milhões no 3º trimestre de 2021
- 30 milhões no 4º trimestre de 2021
18.ago.2020
Segunda oferta e a empresa consegue um quantitativo adicional de entregas para o final de 2020
30 milhões de doses, sendo:
- 1,5 milhão em 2020
- 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
- 5 milhões no 2º trimestre de 2021
- 14 milhões no 3º trimestre de 2021
- 8 milhões no 4º trimestre de 2021
70 milhões de doses, sendo:
- 1,5 milhão em 2020
- 1,5 milhão no 1º trimestre de 2021
- 5 milhões no 2º trimestre de 2021
- 33 milhões no 3º trimestre de 2021
- 29 milhões no 4º trimestre de 2021
26.ago.2020
Terceira oferta da Pfizer, com um adicional de entrega maior para o 1º trimestre de 2021
30 milhões de doses, sendo:
- 1,5 milhão em 2020
- 2,5 milhões no 1º trimestre de 2021
- 8 milhões no 2º trimestre de 2021
- 10 milhões no 3º trimestre de 2021
- 8 milhões no 4º trimestre de 2021
70 milhões de doses, sendo:
- 1,5 milhão em 2020
- 3 milhões no 1º trimestre de 2021
- 14 milhões no 2º trimestre de 2021
- 26,5 milhões no 3º trimestre de 2021
- 25 milhões no 4º trimestre de 2021
12.set.2020
Pfizer envia carta ao governo brasileiro indicando interesse em chegar a um acordo
11.nov.2020
Quarta oferta pela proposta de 70 milhões de doses, sendo 2 milhões no 1º trimestre de 2021, 6,5 milhões no 2º trimestre de 2021, 32 milhões no 3º trimestre de 2021, e 29,5 milhões no 4º trimestre de 2021
24.nov.2020
Pfizer faz a mesma oferta, com algumas alterações contratuais, como na necessidade de ter o registro sanitário aprovado
15.fev.2021
Nova oferta de 100 milhões de doses. Entrega de 8,7 milhões no 2º trimestre de 2021, 32 milhões no 3º trimestre de 2021 e 59 milhões no 4º trimestre de 2021
22.fev.2021
Anvisa aprova o registro permanente da vacina
8.mar.2021
Oferta das 100 milhões de doses é aceita pelo governo brasileiro, com cronograma de 14 milhões no 2º trimestre de 2021 e 86 milhões no 3º trimestre de 2021
19.mar.2021
Contrato é assinado
23.abr.2021
Nova oferta para mais 100 milhões de doses para o 3º trimestre de 2021. O representante da Pfizer disse que o segundo contrato está sendo finalizado nesta semana
Informações com: Folha de São Paulo