Ao menos mil pessoas morreram e mais de 1.500 ficaram feridas após um terremoto de magnitude 5,9 na escala Richter atingir uma região montanhosa e isolada no Sudeste do Afeganistão. As autoridades alertam que o número de vítimas ainda deve aumentar, acentuando ainda mais a miséria naquele que é um dos países mais pobres do planeta, após duas décadas de ocupação americana, que chegaram ao fim no ano passado, e a volta ao poder do grupo fundamentalista Talibã.
— O balanço chegou a mil mortos, e deve aumentar. Achamos corpo atrás de corpo — disse o chefe do serviço de Informação e Cultura da província de Paktika, Mohamad Amin Huzaifa, sobre aquele que é o terremoto mais letal no país em duas décadas.
Conforme o Centro Geológico dos Estados Unidos (USGS), o tremor aconteceu a 10 quilômetros de profundidade, à 1h30 (18h de terça, hora do Brasil), a cerca de 45 quilômetros ao sudoeste da cidade de Khost, capital da província homônima, fronteiriça com o Paquistão. Um segundo tremor de magnitude 4,5 aconteceu na mesma área poucos minutos depois.
Os tremores foram sentidos por cerca de 119 milhões de pessoas no Afeganistão, na Índia e no Paquistão, segundo o Centro Sismológico da Europa. Apenas os afegãos, contudo, registram danos e mortes, concentrados em algumas das áreas mais prejudicadas pelos 20 anos de “guerra ao terror” e pelos embates que, em agosto do ano passado, culminaram na tomada de Cabul pelo Talibã. São regiões onde o acesso às telecomunicações é raro, quando não inexistente.
Ao New York Times, Mohammad Almas, chefe de auxílio humanitário na organização de caridade Qamar, com presença na área, disse que o número de mortes deve crescer ainda mais, já que não há hospitais próximos. Outro agravante, ele destacou, é que os tremores aconteceram durante a madrugada, quando muitas pessoas estavam em casa dormindo. O frio, o vento e as chuvas, raros nesta época, também dificultam os trabalhos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
O primeiro-ministro, Mohammad Hassan Akhand, informou após uma reunião extraordinária do Gabinete que US$ 11 milhões (cerca de 57 milhões de reais) serão alocados para ajudar os afegãos afetados — as famílias das vítimas receberão cerca de US$ 1.000 e os feridos, US$ 500. Ainda não há estimativa dos custos de reconstrução, mas deverão ser insustentáveis para o país da Ásia Central.
Economia destroçada
O Afeganistão é um Estado falido há ao menos quatro décadas, desde a invasão soviética de 1979 e a década de guerra civil que a seguiu, um conflito indireto entre as duas superpotências da Guerra Fria. A retirada do Exército Vermelho em 1989 deu lugar a extremistas religiosos, levando o Talibã a tomar o poder em 1996. Cinco anos depois, contudo, foram derrubados sob a acusação de dar abrigo a Osama bin Laden, o arquiteto dos atentados do 11 de Setembro.
Durante as duas décadas da guerra mais longa já travada pelos EUA, foi o auxílio internacional e humanitário que sustentou o Afeganistão. Em 2000, o ano anterior à invasão americana, o país recebia, em valores corrigidos, cerca de US$ 136 milhões de ajuda humanitária e oficial, valor que atingiu seu pico em 2011, chegando a US$ 6,75 bilhões, e caiu gradualmente até chegar a US$ 4,28 bilhões em 2019, o último ano antes da pandemia.
Com o retorno do Talibã ao poder em 2021, contudo, doares importantes como os EUA e a União Europeia não só cortaram seus repasses, mas foram além. Os americanos bloquearam as reservas do Banco Central afegão depositadas em seu território, dinheiro equivalente a cerca de US$ 10 bilhões, ou metade de todo o Produto Interno Bruto (PIB) afegão de 2020. Por pressão de Washington, organismos como o FMI e o Banco Mundial também congelaram seus repasses.
Sem acesso a seus fundos e com cortes drásticos na ajuda internacional, a situação da economia local é catastrófica. Segundo a ONU, cerca de 24 milhões são classificados como extremamente vulneráveis à fome e a doenças. A população do país é hoje estimada em 39 milhões.
Até o fim de março, apenas US$ 1,8 bilhão tinha chegado para suprir necessidades básicas, menos da metade dos US$ 4,4 bilhões pedidos pela ONU para que os afegãos tenham o mínimo para terminar o ano. Frente aos apelos, um grupo de 41 países se comprometeu a doar US$ 2,44 bilhões em ajuda humanitária ao Afeganistão.
Não está claro, contudo, qual percentual deste dinheiro já foi entregue e para quem, já que os doadores podem escolher direcioná-lo para refugiados afegãos em outros países, por exemplo. Os talibãs afirmam estar fazendo o possível “de acordo com suas capacidades” para responder ao terremoto, mas pedem ajuda:
“Esperamos que a comunidade internacional e agências de ajuda humanitária também ajudem nossa população diante desta situação difícil”, disse no Twitter Anas Haqqani, um integrante da alta cúpula da organização.
Danos maciços
Segundo Almas, da organização Qamar, ao menos 17 integrantes de uma mesma família morreram em um vilarejo quando sua casa desabou — a única sobrevivente foi uma criança. O Ministério da Defesa deslocou cinco helicópteros e dezenas de ambulâncias para ajudarem na província de Paktika, a cerca de 50 quilômetros da cidade de Khost, uma região particularmente atingida.
Segundo Rafiullah Rahel, chefe do Departamento de Saúde local, ao menos 381 pessoas morreram e 205 ficaram feridas na província, uma das mais pobres do país. No distrito de Gayan, onde há mais de 150 mortos, ao menos 1.800 casas, ou 70% de todas as residências locais, foram destruídas ou danificadas, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha).