“Eu só queria meu filho. Até hoje é assim. Se eu pudesse gastar tudo que eu tenho, eu gastaria até a minha vida, para ter ele de volta”, diz Francisca Ribeiro, mãe de Hugo, que desapareceu em 2007 em Guarulhos, na Grande São Paulo, aos 10 anos de idade.
Para Francisca e para outros 26 familiares de pessoas desaparecidas no estado de São Paulo, nada pode ser mais valioso do que informações sobre o paradeiro de quem eles buscam. Foi com base nos depoimentos deles que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) desenvolveu um relatório sobre o desaparecimento de pessoas no Brasil, lançado nesta terça-feira (6).
O objetivo do documento é mapear as necessidades de familiares de pessoas desaparecidas e orientar os governos a melhorar a resposta dada ao enorme volume de desaparecimentos. Desde 2017, são cerca de 80 mil boletins de ocorrência do tipo registrados anualmente, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Dentre as principais recomendações do relatório para as autoridades estão:
- estabelecer um mecanismo nacionalpara tratar o tema, com o objetivo principal de esclarecer o paradeiro da pessoa desaparecida;
- criar centros de referência em todas as cidades onde for identificado um número significativo de famílias de pessoas desaparecidas;
- instituir uma rede nacional de assistência jurídica para casos de desaparecimento, composta por representantes das Defensorias Públicas e dos Ministérios Públicos dos estados, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal;
- realizar uma reforma legislativa para criar a Certidão de Ausência, documento que poderia ser usado para para pedidos administrativos de documentos, benefícios e políticas de reparação;
implementar uma rede nacional de atenção à saúde dos familiares de pessoas desaparecidas, que vivem consequências graves para saúde física e mental;
Necessidade de saber
Sem orientação sobre como buscar seu filho, Francisca Ribeiro foi em busca de respostas sozinha. Neste processo, se viu obrigada a gastar suas economias, perdeu o emprego, vendeu pertences e foi vítima de golpistas que prometiam pistas do paradeiro de Hugo Ribeiro Santos Camargo em troca de dinheiro.
“Um deles disse que era um detetive e eu entreguei a ele R$ 3,5 mil, de cara. Para um outro, foram R$ 6 mil, tirados da poupança que eu tinha para quando o Hugo fosse pra faculdade. Eu paguei, mas essas pessoas se aproveitam de você. Quando eu lembro disso hoje, eu me sinto envergonhada, mas eu não tinha ninguém que me orientava a não pagar. Não tinha um órgão público me alertando, e tudo que eu queria era saber”, conta.
Situação dos familiares
Para além desta demanda por informações, o relatório destaca que a situação geral dos familiares é muito preocupante, e afirma que, em conjunto com a necessidade de saber o que aconteceu e qual o paradeiro do desaparecida, essas pessoas “passam a ter necessidades específicas quanto à sua saúde física e mental, quanto a aspectos jurídicos, econômicos, assim como quanto ao próprio reconhecimento do seu sofrimento”.
“A realidade com a qual o CICV se deparou é preocupante. Os familiares dedicados à busca têm dificuldades para encontrar informações confiáveis e correm riscos graves. Geralmente esgotam os seus recursos financeiros e emocionais, o que também debilita sua saúde física e mental“, afirma o documento.